Vinho bom é vinho velho.
Quantas vezes você já ouviu essa afirmação? Eu perdi as contas e não culpo quem as reproduz sem entender direito o que isso significa. A capacidade de envelhecer com qualidades que muitos vinhos tem baseou músicas, poemas e acabou ganhando força…. Mas na vida real não funciona bem assim.
A verdade é que uma minoria dos vinhos produzidos no mundo são elaborados com características que possibilitem seu envelhecimento.
O mundo moderno, o viver o hoje, o imediatismo do consumo e também a evolução técnica enológica levam os vinhos mais cedo às nossas taças e mais aptos ao consumo.

Aqui degustando um vinho de 26 anos da Don Giovanni
Mas quando saber que um vinho tem potencial de guarda? Elenco algumas observações importantes abaixo:
1 – A forma de fechamento da garrafa.
Por aqui já falamos sobre as diferenças dos vedantes de vinho e, teoricamente, vinhos com tampa de rosca não foram pensados para o envelhecimento (digo teoricamente porque já existem pesquisas mostrando evolução de alguns vinhos específicos fechados assim, mas isso é assunto pra um outro dia).
Portanto, se o vinho tem tampa de rosca, o produtor já está te dando um recado: consuma meu vinho logo, amigo!
2 – A categoria do vinho:
Um vinho com condições de envelhecimento (já vou explicar o que qualifica um vinho à vida longa e saudável) provém de um local especifico, com condições específicas de solo, clima e muitas outras atribuições que geralmente o tornam um produto de produção limitada e mais custosa. Sendo assim, não adianta pagar “déreal” na garrafa e querer operar um milagre nela.
Vinhos podem ser ótimos em todas as faixas de preço mas transmitem ao consumidor mensagens diferentes, por isso não dá para usar o “vinhos bom é vinho velho” para todos eles.
3 – Vinho velho x vinho antigo:
Alguns países usam a expressão “velho”, “old” para tratar categorias específicas de vinhos muito antigos. Porém aqui a atenção está no ato de armazená-los: Um vinho pode envelhecer adequadamente (se tiver capacidade para tanto) quando bem armazenado (já falei sobre esse tema aqui também) e será um vinho antigo.
O conceito de “velho” aqui é de passado, sem condições de consumo. Se você tem um bom vinho com capacidade de envelhecimento, cuide com carinho dele, não o exponha como um troféu na bandeja do bar da sala, mas o acondicione adequadamente evitando um envelhecimento que lhe tire as possibilidades de amadurecimento saudável.
4 – A procedência, o estilo e as uvas:
Sem entrar em questões muito técnicas, um vinho precisa essencialmente de três fatores que, em equilíbrio, formam um tripé de sustentação para um vinho longevo. São eles: acidez, tanino e álcool.
A acidez é uma característica da própria uva e que se preserva com maior facilidade em locais de clima temperado, onde as noites são frias e possibilitam essa manutenção.
Os taninos advém da própria uva e estão mais presentes nas cascas mais grossas (cabernet, syrah, merlot, tannat dentre milhares de outras tem essa característica). São extraídos quando a casca da uva faz parte do processo de vinificação (no caso dos tintos isso é regra e por isso são mais estruturados e levam a cor das películas)
Por fim, o álcool é proporcional a quantidade de açúcar que a uva alcançou em seu processo de amadurecimento, o que se potencializa com dias ensolarados e quentes.
Em resumo:
Uma uva tinta de casca grossa em um clima equilibrado (noites frias que preservam acidez e dias quentes que me dão plenitude de maturação) me dá o tripé completo para que um vinho envelheça bem.
Um bom exemplo disso são os grandes rótulos de Bordeaux, que resistem à décadas evoluindo lindamente. Mas tem vinhos com baixo taninos que envelhecem bem pela alta acidez (exemplo são os Pinot da Borgonha) bem como brancos que, mesmo sem os taninos, se preservam pelas demais características.

Um vinho de 1.951 degustado no início de 2.020.

O acondicionamento correto manteve a rolha úmida e a formação de microbiologia externa facilitou essa conservação.
Dica:
Uma dica importante caso você tenha dúvida sobre o quanto guardar um vinho é buscar no Google a ficha técnica do produto. Nela os especialistas (enólogos, sommeliers e etc) estimam o tempo de guarda e isso pode te direcionar.
Mas atenção:
Se você comprou vinho de origem desconhecida ou não tem certeza como ficou armazenado antes de chegar até você essa referência pode não valer nadica de nada.
Grandes vinhos, ocasionalmente, são colocados em promoções inacreditáveis pelas redes sociais, então desconfie se a esmola for demais.
Quer investir em um grande vinho para envelhecimento? Compre do produtor, de importador legalizado e seja feliz.
Ah!! Mais uma dica:
A safra 2.020 no Brasil foi maravilhosa e considerada a safra do século (tivemos o equilíbrio climático desejado). A partir do próximo ano começarão a aparecer os vinhos com capacidade de envelhecimento nos mercados. Que tal comprar duas garrafas de um rótulo bacana? Prove uma agora e guarde o outro para sentir a evolução.
Aliás, o vinho que ilustra o post é outro registro de uma grande safra brasileira: 2005. O Báculo Cabernet Sauvignon é elaborado pela Salvattore, vinícola de Flores da Cunha com vinhos que merecem atenção.
Até a próxima taça, Keli Bergamo
Ps. Texto originalmente publicado no Arquitetando Estilos.